✎Estudo comprova a eficácia do uso de máscara e do distanciamento social no combate à pandemia
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Um ano depois do primeiro caso de covid-19 no Brasil, estamos vivenciando o pior momento de toda a pandemia: unidades de terapia intensiva lotadas, recorde de mortes dia após dia e baixo índice de vacinação. Neste momento, a reafirmação de medidas de prevenção ao vírus ganha relevância. "Em tudo o que se pesquisou até agora, o que se viu realmente funcionando para prevenção são as medidas de distanciamento social e o uso de máscara de forma correta", sinaliza Marcelo Gonçalves, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS.
O estudo Social Distancing, Mask Use and the Transmission of SARS-CoV-2: A Population-Based Case-Control Study, produzido por pesquisadores da UFRGS, UFPel, UFSCPA e Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS), foi conduzido a partir de uma lista cedida pelo SMS com 3.437 pacientes da capital que testaram positivo para covid-19 entre abril e junho de 2020. Do total, os pesquisadores fizeram uma triagem em que selecionaram 247 pacientes para aplicar um questionário sobre o uso de máscara, grau de adesão ao distanciamento social e a rotina de atividades fora de casa. Para comparação, o mesmo questionário foi aplicado em 1.396 pessoas testadas pela pesquisa EPICOVID (estudo sobre prevalência de infecção por covid-19 da UFPel).
Os pesquisadores concluíram que o uso de máscaras reduz em 87% a chance de infecção por SARS-CoV-2. O estudo também mostra que as pessoas que aderem de forma moderada a intensa ao distanciamento social têm entre 59% e 75% menos chances de contrair o vírus. Profissionais de saúde foram excluídos da triagem do estudo para dar mais ênfase à efetividade dessas medidas na população geral. Mesmo que o artigo ainda esteja em fase preprint, o que significa dizer que ele ainda não foi avaliado por outros pesquisadores para ser publicado em revista científica, é um estudo suficientemente confiável.
Bruce Duncan, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS e um dos colaboradores do trabalho, compara a pesquisa com um estudo recente feito pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, que realizou uma investigação ecológica, recolhendo documentos e pesquisas de todos os condados americanos, apontando a eficácia do uso da máscara e do distanciamento.
"O que eles não têm, que o nosso estudo tem e pode dizer: máscaras preveniram 87% dos casos. Nós temos estudo em indivíduos, perguntamos pra cada pessoa se ela usava máscara e se ela se infectou ou não. É delineamento chamado estudo caso-controle. Ele tem todos os seus problemas é um delineamento relativamente fraco do ponto de vista epidemiológico , mas traça essa informação que esses estudos de mobilidade e avaliação de diferentes condados, municípios, estados, cidades, etc., não conseguem fazer. Eu desconheço qualquer estudo no mundo do SARS-CoV 2 que tenha feito um trabalho como o nosso"
Bruce Duncan, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS e pesquisador
Evidências científicas
Desde que o artigo foi divulgado, em dezembro, Marcelo conta que surgiram outros estudos que também corroboram que o uso de máscaras e o distanciamento social são medidas eficazes para o controle da pandemia. O que poderia se avaliar agora, segundo ele, é toda a questão das novas variantes e o quanto isso vai impactar na transmissão. Tudo, entretanto, é muito recente, e o pesquisador desconhece estudos apontando a eficácia do uso de máscaras contras novas cepas do vírus.
Bruce explica que a comprovação científica para medidas de saúde pública são difíceis de fazer. Na hierarquia de pesquisas do campo da saúde, um ensaio clínico é o que tem o maior nível de qualidade. Segundo o professor, "é difícil ter ensaios clínicos para avaliar máscaras e distanciamentos. Então, as evidências que nós temos não são evidências 100%, mas elas sugerem que deveríamos usar máscaras, especialmente em ambientes fechados, com várias pessoas e pouca ventilação. Caso tenha alguém lá dentro infectado, espalhando gotículas e aerossóis, estes vão ficar mais tempo no ambiente. O recomendando também é usar em áreas externas; o risco deve ser bem menor, mas não zero".
Outras medidas
Higienizar compras, tirar os calçados antes de entrar em casa, separar as roupas para lazer e para o trabalho, e tantos outros hábitos que desenvolvemos durante a quarentena também têm eficácia. Segundo Marcelo Gonçalves, está cientificamente comprovado que o vírus fica na superfície de objetos, e por isso é importante termos esses cuidados a mais: "É um cuidado que podemos ter, sim, para casa, mesmo naqueles outros ambientes que não sejam um potencial grande de exposição ao vírus. Mas poder fazer a troca de roupa quando chegar em casa, ter sua roupa de dentro de casa, isso pode se reduzir. Assim como a questão de passar álcool 70% nas sacolas que vêm de fora, quando recebe alguma entrega", sintetiza o pesquisador.
O vírus é surpreendentemente muito frágil. Lavando as mãos com sabão por volta de 30 segundos tempo equivalente a cantar "Parabéns a você" duas vezes é o suficiente para matar o vírus que está lá. Uma boa estratégia, segundo Marcelo, também é carregar um frasco com álcool sempre que sair de casa.
Onde estaríamos?
"Quando você vai ler o grau de mobilidade das pessoas ao longo de 2020, a gente teve um grau de isolamento muito grande em março e abril do ano passado, e ele veio caindo ao longo tempo. Todos nós, de uma maneira geral, acabamos dando uma relaxada nessas medidas, e elas têm que ser retomadas", explicita Marcelo.
Um exercício recorrente nesse momento caótico que o Brasil está é nos perguntarmos: e se todos nós tivéssemos seguido todas as medidas e protocolos contra o covid-19, qual seria o cenário deste março de 2021? Para Bruce, é difícil dizer onde estaríamos. Ele utiliza como exemplo vários países da Ásia que conseguiram, praticamente, repelir o vírus, além do êxito da Nova Zelândia nas ações contra a pandemia. Mas, por conta de aspectos geográficos e políticos, não há total certeza de um cenário parecido aqui. "O Brasil é um país continental. Não é a Nova Zelândia, não é uma ilha. Sempre teria alguém cruzando as fronteiras. Então, esperar que o Brasil tivesse conseguido zerar o vírus eu acho que não teria acontecido mesmo com todos os cuidados do mundo. Mas eu acho que não dá pra negar que as abordagens, principalmente de nosso presidente, têm levado a uma mortalidade muito maior. E nos leva a uma situação em que vamos nos separar do mundo daqui a pouco", conta.
Apesar de a vacinação inicial dar uma sensação de segurança, o uso de máscara e o distanciamento ainda precisam ser feitos. "Há um longo caminho pra gente poder pensar em retirar essas medidas mais populacionais de cuidados. E uma coisa que acredito que vá ficar pro mundo inteiro é o uso de máscara quando se tiver qualquer sintoma respiratório", sinaliza Marcelo.